Não é mito. Se Kafka delineava o artista que se compraz de sua fome e a exibe em praça pública, definhando por trocados, há os que, a despeito da miséria do estômago e dos miúdos ressequidos fazendo ruídos em todas as escalas e tons, ainda assim, zonzos de fome, se dedicam ao processo mais sublime, perfeito e puro possível de execução por um humano: o de criar, artisticamente. Que embora só arte transcenda o espírito, só arte recrie vida tão perfeitamente a ponto de dar sentido a ela própria, embora só, exclusiva e somente, a arte, juntando poesia, despeito, drama, sons, cores, acordes, formas, curvas, histórias, alegrias inesperadas e espontâneas, e principalmente, a humanidade mais frágil e escorregadia a pele, essa essência que faz sentir o interior ainda é de pouco valor nesse mundo capitalistamente previsível, consumível e prestes a deterioração em que habitamos.
Sair à rua, na praça. Lá está o músico com seu chapéu onde reluzem duas ou três moedinhas. Talvez simbólicas. As músicas, melodiosas e ressonantes, cuja beleza possivelmente seja potencializada por causa da melancolia que as toma E ao lado vestidos em preto, couro e taxas pontiagudas, jovens vendem poesias escritas na ânsia incontível, hormonal e rebelde da adolescência. Sim, eles tentam vender o que não se comercializa, o que, por todos os céus não é comprável, que só se pode aspirar pelos poros e sentidos. Absorver. E no meio de todo fluxo da cidade, toda a massa anônima em passos rápidos e agitados, existe uma esquina prosaica, um casarão antigo, naquele cantinho de rua está o velhinho branco pintando imagens do colorido e quente litoral que o berça. Só retrata dias alegres, quentes do sol que curtiu a cútis do homenzinho franzino. Mas ninguém compra, ninguém sequer olha pro músico que tenta tocar sua seresta no tráfego, ninguém percebe os poetinhas marotos que querem comprar seu vinho, o velhinho está esquecido na esquina que sequer a memória do litoral lembra.
Artistas que não optam pela miséria, mas que, atirados em seu lodo, se deixam naufragar a tal ponto que só nela conseguem o distanciamento de todos os rótulos, caprichos fúteis, contradições vis que regem a forma como a conduta humana se estabelece. De ventre seco, à noitinha, sem almoço as maiores almas poetas conceberam letras para as quais nem o próprio pensamento está pronto.
Vide tudo isto, a explanação toda que eu discorro sobre os que, se famintos de alimento e dignidade, fartos em lirismo, em dons e em espirituosidade, e é só, e apenas, para introduzir um poema do peruano que personificou a idéia de artista da fome. Quem mesmo de bolsos furados e vazios, transcendeu à matéria e ao ter, concluindo uma produção inovadora, marcante, profunda e, sobretudo, de humanidade e talento comovente.
“ - Senhoras e senhores, el club silencio satisfaz-se em apresentar César Vallejo em uma de suas melhores performances, com o poema ‘Considerando en frío, imparcialmente...’”
Sair à rua, na praça. Lá está o músico com seu chapéu onde reluzem duas ou três moedinhas. Talvez simbólicas. As músicas, melodiosas e ressonantes, cuja beleza possivelmente seja potencializada por causa da melancolia que as toma E ao lado vestidos em preto, couro e taxas pontiagudas, jovens vendem poesias escritas na ânsia incontível, hormonal e rebelde da adolescência. Sim, eles tentam vender o que não se comercializa, o que, por todos os céus não é comprável, que só se pode aspirar pelos poros e sentidos. Absorver. E no meio de todo fluxo da cidade, toda a massa anônima em passos rápidos e agitados, existe uma esquina prosaica, um casarão antigo, naquele cantinho de rua está o velhinho branco pintando imagens do colorido e quente litoral que o berça. Só retrata dias alegres, quentes do sol que curtiu a cútis do homenzinho franzino. Mas ninguém compra, ninguém sequer olha pro músico que tenta tocar sua seresta no tráfego, ninguém percebe os poetinhas marotos que querem comprar seu vinho, o velhinho está esquecido na esquina que sequer a memória do litoral lembra.
Artistas que não optam pela miséria, mas que, atirados em seu lodo, se deixam naufragar a tal ponto que só nela conseguem o distanciamento de todos os rótulos, caprichos fúteis, contradições vis que regem a forma como a conduta humana se estabelece. De ventre seco, à noitinha, sem almoço as maiores almas poetas conceberam letras para as quais nem o próprio pensamento está pronto.
Vide tudo isto, a explanação toda que eu discorro sobre os que, se famintos de alimento e dignidade, fartos em lirismo, em dons e em espirituosidade, e é só, e apenas, para introduzir um poema do peruano que personificou a idéia de artista da fome. Quem mesmo de bolsos furados e vazios, transcendeu à matéria e ao ter, concluindo uma produção inovadora, marcante, profunda e, sobretudo, de humanidade e talento comovente.
“ - Senhoras e senhores, el club silencio satisfaz-se em apresentar César Vallejo em uma de suas melhores performances, com o poema ‘Considerando en frío, imparcialmente...’”
Considerando en frío, imparcialmente...
Considerando en frío, imparcialmente,
que el hombre es triste, tose y, sin embargo,
se complace en su pecho colorado;
que lo único que hace es componersede días;
que es lóbrego mamífero y se peina...
Considerando
que el hombre procede suavemente del trabajoy
repercute jefe, suena subordinado;
que el diagrama del tiempo
es constante diorama en sus medallasy,
a medio abrir, sus ojos estudiaron,desde lejanos tiempos,
su fórmula famélica de masa...
Comprendiendo sin esfuerzo
que el hombre se queda, a veces, pensando,
como queriendo llorar,
y, sujeto a tenderse como objeto,
se hace buen carpintero, suda, matay
luego canta, almuerza, se abotona...
Considerando también
que el hombre es en verdad un animaly,
no obstante, al voltear, me da con su tristeza en la cabeza...
Examinando, en fin,
sus encontradas piezas, su retrete,
su desesperación, al terminar su día atroz, borrándolo...
Comprendiendo
que él sabe que le quiero,
que le odio con afecto y me es, en suma, indiferente...
Considerando sus documentos generale
sy mirando con lentes aquel certificado
que prueba que nació muy pequeñito...
le hago una seña,
viene,
y le doy un abrazo, emocionado.
¡Qué mas da! Emocionado... Emocionado...
.
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