Oct 15, 2007

Confissão

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Rita pegou o papel na parada de ônibus. Remexeu, remexeu a enorme mochila até encontrar um bloco grosso de folhas brancas, limpas. A primeira letra que leva à segunda e à terceira. Verbo puxa verbo. Assim sempre fora a forma como escrevia: vinha o impulso incontrolável, descabido até, em determinadas situações. E aí, ficava só papel, caneta e enxurrada. A caligrafia absurdamente ilegível. Uns rabiscos rasurados, censurados, trêmulos. Não havia tempo para se esmerar na forma, tinha todo o conteúdo de seu peito a expressar. Na cadência que se estruturou, viu que confessava particularmente como era, tendo-lhe como única expectadora, única ouvinte. Na parada de ônibus, não viesse mais ônibus, nem escutava os barulhos e os gritinhos das crianças indo para a escola, nem as conversas de vizinhas íntimas e inocentemente maldosas. Queria que sua prece, sua oração exclusiva que o impulso não deixava acabar, se concebesse líquida, fluída. E branca e alva. Eram pequenos versos, alguns joguinhos verbais, que de estalido se findaram. Talvez pegajosos, talvez fluídos, talvez alvos, talvez carnais. Eram seus.























[...]





Sou bicho. E capricho.
Uma eterna caçada de profusão
Até onde
Há quietude.
Sou mata, mato,
Morrer.
Orações pegajosas entregues nos
Panfletos, papel amarelo na ladeira
De onde descem
Os meninos
Escuros.

[...] Escuro.

Sou manhã fria, manha, preguiça,
Tarde primaveril, chuva leve ao
Anoitecer, a cantiga de ninar em
Assobios que fazem calar.

Ahn, e sou capacho,
Um escracho em que
Se pode pisar,
Sem vestígio
De receio.
Um pedaço de pelúcia
Rasgado, estirado,
No chão sujo.
Quem lambe as solas
Das chinelas, ou ainda,
Aquela que se indigna com os pavores do mundo.,
Levanta, e se põe a sapatear
Por sobre cada um dos calos
Alheios.

...freneticamente...

E nessas crises de ego, de alma.
De existência que chegam pela porta da frente,
Eu não posso, não creio
Ser nada.
Um pequeno agregado de vácuo
Na poltrona, a não matéria cabisbaixa,
À beira de onde se findou todo o sentido.
Toda a essência.
Mas, ainda...
...sou tanto!
Quanta coisa distorcida,
E refeita.
Desmontada,
E reconstruídas.
Todas essas visões revisitadas,
Os sentidos...!

Essas mãos habilidosas que
Tecem, as teias, os dramas.
Essas almas contando estórias,
Essas fábulas sem moral.
Versos ritmados
Do que é pitoresco.
Burlesco, exagero.
Cadência, ahn, gira, gira
A ciranda.
Vejo o mundo, então, afinal,
Só posso ser mundo,
Soletro-o!

[...]
Duas mãos em concha
Que abrigam água fresca, límpida.,
A água, o elemento vital, o bálsamo,
Que gota,
A gota,
Esvai-se pelos
Longos
[e finos!]
dedos.

1 comment:

Felipe da Fonseca said...

e pende um'estalactite dos longos [e finos!] dedos...
e pende vida da já vida entretecida.