Apr 2, 2007

o otimismo da segunda. huh.

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do dia morto. do dia sem saco nenhum. do dia frustrante. do dia em que nada acontece e que, mesmo se acontecesse, só serviria pra um ou outro deboche ou qualquer sentença tímida e rançosa que declarasse puro enfado. talvez essa fosse uma boa segunda-feira pra destruir alguns tecidos tragando gim fervente. mas até quanto à minha auto-mutilação eu ando indiferente. tanto faz abrir feridas purulentas nas vísceras ou não. numa segunda-feira como essa o que se faz tentando destruir - ou, vá lá, salvar - a alma [lama!] é inútil.


[tosse, tosse.]



quê faço eu? sacudo os ombros, cato um cigarro e deixo que o moço drummond de andrade fale por mim. ele é bem mais eloqüente. infinitamente mais eloqüente, pra ser exata. e suas linhas fluem, apedrejam capelas, cospem ácido, penetram e se escondem nos recônditos mais improváveis de qualquer bendita criatura. é o tipo de verso que cuja leitura não se pode reverter. não há escape ileso.






OS OMBROS SUPORTAM O MUNDO

Chega um tempo em que não se diz mais: "Meu Deus".
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: "Meu amor",
porque o amor resultou inútil.
E os olhos não mais choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.

Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Fiscaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.

Pouco importa que venha a velice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo,
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios,
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.



[Carlos Drummond de Andrade].


[imagem: Drummond e a pedra no caminho: caricatura de Alvarus, 1941]


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