Apr 13, 2007

coisas da vida.

a prosa de Kurt Vonnegut não foi leve. sua voz incisiva, sua ironia apurada e tramada e suas idéias tão lúcidas que beiram o incoerente trataram de deixar marcas profundas desde a geração que foi assombrada pelo sangue escorrido no vietnã. é de sua autoria a chamada bíblia anti-guerra, Matadouro 5, publicado em 1969. trata-se de uma obra que mistura relatos reais dos bombardeios dos Aliados contra a cidade de Dresden, ficção científica, delírios, fusões no estilo - com comentários do narrador sobre a narrativa e até da narrativa sobre o narrador - e, especialmente, talento.





a estréia do escritor se deu no ano de 1952, com o romance Player Piano. após, houve uma sucessão de treze obras. em comum, todas elas caracterizam-se por não serem palpáveis, por fugirem aos lugares comuns com a liberdade que só a aptidão literária incomum do autor poderia proporcionar. é fino humor pra desforra, é prosa pra se rir chorando e se chorar rindo: a seriedade filosófica a que se depara nos aspectos abordados não impede que a leitura seja agradável. o desfecho da bibliografia foi selado em 1997 com o romance Tremor do Tempo.

e foi quarta-feira, dia 11 de abril que um dos maiores escritores vivos perde seu status de... ... vivo. devida a uma queda sofrida há semanas, o romancista foi vítima de lesão cerebral que ocasionou sua morte, aos 84 anos. - coisas da vida, um cacoete que ele mesmo repete à exaustão em Matadouro 5. fato consumado que essa é a melhor forma de encarar a morte: como uma coisa da vida, inerente à vida, conseqüência da vida. ou seja: uma parte indissociável dela.

[... e que pra manifestar os meus pêsames, isentos desse luto teatral diante da falência de nossas frágeis existências, só posso usar de outro cacoete de vonnegut, do romance O Pastelão - Ou Solitário Nunca Mais: - ai ô!]

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"...não há telegramas em Tralfamador. Mas o senhor tem razão: cada grupo de símbolos é uma mensagem breve e urgente descrevendo uma situação, uma cena. Nós tralfamadorianos os lemos lemos todos de uma vez e não um após o outro. Não há qualquer relacionamento especial entre as mensagens, exceto que o autor as escolheu cuidadosamente, de tal forma que quando nós as vemos todas de uma vez, elas reproduzem uma imagem de vida que é bonita, supreendente e profunda. Não há começo, nem meio, nem fim, nem suspense, nem moral, nem causas, nem efeitos. O que amamos em nossos livros são as profundidades de vários momentos sublimes vistos todos de uma vez só.

[Vonnegut, Kurt. Matadouro 5. Editora LP&M. p. 96]

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