Apr 16, 2007

a cidade noite adentro.

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me proponho, assim, a subir as ladeiras de terra batida e prosseguir por caminhos não usuais, cheios de silêncio e escuro. a empreitada começa no kit para minha aventura: um maço de cigarros, um terço de pacote de balas de goma e meia água mineral choca, pra garantir a hidratação.


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passeio na cidade natal. não uma mera caminhada na praça ou algumas voltas no quarteirão sendo guiada pela poodle idosa que costuma me acompanhar. dessa vez o passeio tem cunho filósofico, antropológico. quase um estudo quiçá científico de minhas raízes. me proponho, assim, a subir as ladeiras de terra batida e prosseguir por caminhos não usuais, cheios de silêncio e escuro. a empreitada começa no kit para minha aventura: um maço de cigarros, um pacote de balas de goma e meia água mineral choca, pra garantir a hidratação.

acho que a idéia de vagar a esmo pela cidadela começou porque preciso me adaptar pra voltar a viver nesse lugar. a vida aqui é mais mansa, têm seu ritmo próprio. se você tentar correr, com certeza vai tropeçar. ou, ainda, a excursão pelas ruelas mais pacatas tinha o propósito de fazer cessar a minha ira adolescente contra o território interiorano. afinal, todo o bom jovem do interior já urrou contra a falta de opções de sua cidade. isso na melhor das hipóteses, já que há rancores muito piores. mas o que me motivou de fato - se foi puro tédio ou a melhor das intenções -, francamente, nem eu posso responder.

poucas coisas mudaram nessas bandas. é verdade que há alguns prédios de arquitetura arrojada entre as avenidades centrais, alguns novos botecos e mercearias e que brotaram algumas ruas em lugares que eu nem imaginava. mas a essência de segurança que envolve os passos do visitante continua a mesma. essa sensação de prosaico com direito a fumacinha saindo das chaminés. uma certa felicidade vibrante até se apossou de mim quando percebi que através das cortinas alguns olhos curiosos me observavam passar. se era maldosamente ou não, não vem ao caso: o que me importa mesmo, é o interesse humano que figura por aqui. que, vá lá, dará fofocas sobre a origem da menina que passava pela noite fotografando bobagens e com tantas outras dessas dentro da cabeça. mas que, nem por isso, deixa de ser interesse.

depois de tantas esquinas dobradas, tantos morros escalados e tantos lugares revistos, decido que o gran-finale da noite de segunda só pode acontecer se eu for na pracinha central. mesmo com o novo calçadão e as outras novidades implementadas, o cheiro de lá haveria de continuar a exalar minhas quimeras e meus deleites infantis. balanço, escorregador, casinha no alto: tudo aquilo que levou consigo minhas tardes e minha imaginação. sento na escada fronteiriça ao play-ground [huh, nome bonito pruma pracinha] e fico a fumar um cigarro e divagar entre as borboletas brancas dos postes.

percebo, então, que o cheiro mudou. nem de longe aquele cheiro de pinga recendia à meiguice da minha infância. o acre da cachaça inundava o lugar, mesmo aberto, mesmo com vento. porque o trago, viesse de onde viesse, não era pequeno. e eis, após uma busca furtiva, que enxergo, entre incrédula e assustada, que dois indígenas consumavam seus atos coitais embaixo da casinha que um dia fora meu lar de mentirinha. e ao redor deles estavam três garrafas plásticas, daquele tipo que invariavelmente embala aguardente. não sofri abalos com a cena. ao contrário, tinha vontade de continuar parada no mesmo lugar e observar tudo à distância. e não por voyeurismo étnico, eu esclareço. mas virei as costas, para tentar dar-lhes um pingo de privacidade - coisa com que eles, aparentemente, não se importavam nada. subo os degraus e ensaio meus primeiros passos de volta para casa. deixo que sananduva, os índios, as garrafas, a bituca do meu cigarro sejam todos tragados pela noite preguiçosa que os envolve. porque chegou minha hora de ir pra junto dela também.





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