Mar 9, 2007

os beats no refluxo.



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a beat generation foi aquela turminha de jovens intelectuais, boêmios e errantes – o que hoje em dia até parece cliché – que, nos idos de 1940, alçou sua literatura do subsolo para que ela, inclusive, vislumbrasse o sol raiante dos movimentos juvenis cerca de vinte anos após. o mote foi boicotar o formalismo literário e o otimismo pós-guerra dos “states” para versar, de forma genuína, as aventuras enraizadas entre bares, be-bop e longas viagens (das literais e das figuradas). on the road ("pé na estrada", aqui nas terras tupiniquins, Jack Kerouac), o uivo, kaddish e outros poemas (Allen Ginsberg), junky (ou junkie, dependendo da edição, Willian Burroughs) são verdadeiras bíblias da contracultura, verdadeiramente afixadas no imaginário ocidental.

devido aos conteúdos fortemente biográficos dos clássicos da trupe, houve a conseqüente disseminação de boa parte do que viviam Jack “On the Road” Kerouac, Neal Cassady, Allen Ginsberg, William Burroughs, Henry Miller, etc. os anos de glória são dos mais conhecidos, em contrapartida, os anos posteriores à efervescência que possibilitou o movimento representam um abismo no que diz respeito ao conhecimento do grande público. Ou seja: pouco se sabe sobre o tempo da suposta decadência.

devidamente salvas algumas biografias, fala-se muito pouco do findar da época áurea e produtiva dos beatniks – uma das conseqüências do óbito das agitações sessentistas – e do princípio de uma década de 70 insossa e marcada pelo refluxo. especialmente, em poucas edições figura a maneira como mesmo esses grandes nomes não puderam escapar ilesos ao regurgito das transformações até então realizadas. nem mesmo os gênios desse enredo poderiam fugir, de qualquer forma.

ignorava-se, por exemplo, que esse núcleo de ícones fundou a escola de poesia jack kerouac school of disembodied poectis (escola jack kerouac de poesias desencarnadas), anexada à universidade budista de Boldier, Colorado. Sam Kashner, então adolescente entusiasta da poesia beatnik, foi o primeiro e único aluno da escola de Jack por algum tempo e, é para retratar esse período – entre 1975 e 1977 – que escreveu Quando eu era o talminha vida na Jack Kerouac School (Planeta, 2005).

além de não se ater às delongas e focalizar um período específico, Kashner contraria as biografias usuais por não tentar ser imparcial: ele narra as peculiaridades de seus mestres com carinho sem, contudo, render-se às pieguices. o autor não busca, em momento algum, esconder a admiração fanática que o toma ao longo da narrativa. muito menos esconder o fato de que essência propulsora do movimento dissipava-se a passos largos e de que Kerouac e turma já não se encontravam em ascensão, e sim, em franco desespero para conter o naufrágio iminente.

sejamos francos: consideradas as personas que protagonizam a narrativa, é impossível que esta se detenha aos relatos de um estabelecimento de ensino com proposições não-sistemáticas. os, então, mestres de kashner rendem boas histórias, isso é presumível. a obra vai tão além da sala de aula quanto possível.

exatamente pelo livro haver sido livre de pretensões histórias é que sua projeção torna-se tão impressionante. ele possibilita ao leitor que já está acostumado com as obras beats contemplar os autores por uma ótica até então não vista. um dos aspectos mais interessantes é que o autor isenta seu corpo docente inusitado do tom mitificador para torná-lo composto de humanos. humanos incríveis e geniais, sim, todavia, tão cheios de tiques, excentricidades, dramas e tragédias quanto qualquer outro. aliás, engano-me: as excentricidades, os tiques e os dramas extrapolam longe a dose contida nos quaisquer outros indivíduos.



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olha só:

personagens de si mesmos, os beats renderam pilhas de biografias. todas interessantíssimas, aliás é impossível não ser, mesmo que a maioria não fuja à velha abordagem criadora de mitos. O ano de 2005 foi particularmente próspero e, além da manifestação de Sam Kashner, foram lançados, no Brasil: a nova visão de blake dos beats (Sérgio Cohn, Azougue); Jack Kerouac, o rei dos beatniks (Antônio Bivar, Brasiliense). para quem ainda não tomou gosto pela literatura subterrânea, sugiro, além dos clássicos já mencionados, o livro de sonhos e os subterrâneos, ambos de Jack Kerouac; almoço nu, do Burroughs e a queda da américa, de ginsberg.


2 comments:

Fefa said...

... eu ainda sou o tal, ou a tala!

Alecsander da Silva Portilio said...

Gatos, leopardos e filhotes de gambás fofos - Plantando maconha há 40 anos.

“Eu dou quatro estrelas de fofura para Fletch. Como a maioria das qualidades, a fofura é delineada pelo que ela não é. A maioria das pessoas não são nem um pouco fofas, ou, quando são, logo crescem e perdem a fofura... Elegância, graça, delicadeza, beleza e nenhuma inibição; uma criatura que sabe que é fofa, logo deixa de sê-lo... Tamanho diminuto: um leopardo é grande demais e perigoso demais para ser fofo... Inocência e confiança. Eu me lembro uma vez, quarenta anos atrás, lá no leste do Texas, onde eu plantava maconha. Estava examinando uma planta, e quando olhei para cima, vi um filhotinho de gambá. Estendi a mão e o acariciei, e ele olhou para mim com absoluta confiança.”

Trecho de O Gato Por Dentro, William Burroughs