Mar 8, 2007

mujer do dia: florbela espanca.

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gosto do dia internacional das mujeres. acho que o termo exato é simpatia. isso, sinto simpatia, aquela coisa meio termo, né?... simpatizo especialmente com a intensidade com que ele é celebrado. o que me irrita é a eterna pieguice que estampa qualquer canto que se olhe no oito de março. é chocolate, flor e bebê por todo o santo lado. como se quanto mais apegada às sentimentalices e doçuras fosse a exemplar da raça feminina, supostamente, mais mulherzinha seria.

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[e, sinceramente, eu dispenso o diazinho com cumprimentos e VTs toscos na tevê. aliás, troco-o por um pingo igualdade entre os nossos salários e o dos nossos colegas da ala masculina. por mais insensível que venha a aparentar.]


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e talvez por estar tão estupefata das pieguices é que escolhi uma das mais bacanas, inteligentes e fodonas (se é que os bons modos permitem o termo!) moças que já existiram pra venerar. venerar, adorar mesmo, sem comedimento ou pudor algum...!

florbela espanca, se chama ela. seu próprio nome soa feito verso e, não parando por aí, o talento do lirismo veio já cravejado nos poros da moça. com só sete anos - ainda com aqueles imensos erros ortográficos - seus poemas já atingiam incrível complexidade. coisa de fazer crítico rabugento pagar pau.

gostava de se chamar ora de flor, ora de bela. uma brincadeira que fazia com o próprio ar de quimera que seu nome exalava. e a moça amava. amava com todas suas gotas de suor, de sangue e de lágrima. mas não desses amores que a disney tratou de incutir nas cabecinhas mais desavisadas. a jovem florbela entregava-se a amores diários. eternamente refeitos. amores de dom quixote, amores insones. amores que queimam, ardem, rasgam e ao mesmo tempo curam e salvam. amor e desamor. opostos. desequilíbrio e passionalidade. tudo no seu tom incrivelmente requintado.

como boa representante dos confins lusitanos, a moça de prosa e rima não se intimidava. já em 1917 entregava-se à vida notívaga sem dó ou instinto de auto-preservação. e é com sua postura classuda e peito erguido que ela encara o final de seu casamento, selado desde menina, quando florbela tinha 19 anos. o motivo: a poetisa não conseguia engravidar sem que logo sofresse um aborto. e é então que a garota dedica-se aos versos indefinidamente crus, tortuosos e lindos. versos lascívios. versos reais. versos ríspidos que se lê com o peito arfante. daqueles difíceis de esquecer.

para seu final, florbela escolheu o mesmo caminho que originou seu nome: incorporar a beleza única de um soneto encenado. no mesmo dia em que nasceu e casou, oito de março, já no abrir da década de trinta, ela se suicidou. as neuroses e o edema pulmonar a levavam à exaustão diariamente. e que o fim escolhido pela poeta que não temia sofrer suas dores e chorar suas lástimas só poderia ser assim: rompante e belo.

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Volúpia

No divino impudor da mocidade,
Nesse êxtase pagão que vence a sorte,
Num frémito vibrante de ansiedade,
Dou-te o meu corpo prometido à morte!

A sombra entre a mentira e a verdade...
A núvem que arrastou o vento norte...
- Meu corpo! Trago nele um vinho forte:
Meus beijos de volúpia e de maldade!

Trago dálias vermelhas no regaço...
São os dedos do sol quando te abraço,
Cravados no teu peito como lanças!

E do meu corpo os leves arabescos
Vão-te envolvendo em círculos dantescos
Felinamente, em voluptuosas danças...


(florbela espanca, livro de soror saudades)

2 comments:

Anonymous said...

Menina linda da pele alva, gossstei.
Tua prosa flui e é um belo exercício.

Sucesso pra ti. =]

Alecsander da Silva Portilio said...

Estas Mulheres são todas Vulcões!
Florbela "só" Espanca. hehehe.

Vulcões

Tudo é frio e gelado. O gume dum punhal
Não tem a lividez sinistra da montanha
Quando a noite a inunda dum manto sem igual
De neve branca e fria onde o luar se banha.

No entanto que fogo, que lavas, a montanha
Oculta no seu seio de lividez fatal!
Tudo é quente lá dentro…e que paixão tamanha
A fria neve envolve em seu vestido ideal!

No gelo da indiferença ocultam-se as paixões
Como no gelo frio do cume da montanha
Se oculta a lava quente do seio dos vulcões…

Assim quando eu te falo alegre, friamente,
Sem um tremor de voz, mal sabes tu que estranha
Paixão palpita e ruge em mim doida e fremente!