May 13, 2007

bentim.



"O homem conquistará sua liberdade
quando o último rei for enforcado
nas tripas do último padre."

[Diderot]


... ou do último papa, que seja.






IDÉIA NEM UM POUCO GENIAL
PARA UM ROMANCE QUE SE
CONTENTA EM TRAGAR
APENAS
O PÓ
DAS PRATELEIRAS.



não sei, sei não. talvez seja paranóia minha. ou maldade. ou, o que é provável, puro asco à esse catolicismo dogmático e dado às exuberâncias. mas o que eu acho é que esse novo papa com jeito de "cruz-credo!" - que não se enquadra na categoria de novidade de jeito nenhum - daria um romance, não dos bons, mas daqueles cheios de conspirações e labirintos. tipo o código da vinci, que é um livro terrível, exceto pela montagem dos pequenos capítulos. porque a estrutura thriller-que-você-não-consegue-parar-de-ler que moço muy rico Dan Brown fez, é notável.

amadureçamos a idéia:

a tv. as piores alienações e os insights mais desprezíveis começam por ela. e no domingo de manhã, então, a coisa encrespa. e foi nela que eu vi o papa, nesta minha própria matina dominical. é verdade que eu tenho calafrios ante a imagem do velhinho desde que ele foi eleito papa [é isso? eleito?], só que hoje eu tive a real dimensão de como ele é escabroso: hannibal lecter com sua focinheira passa vergonha. e não fossem só as olheiras, o olhar cheio de crueldade e a presumível satisfação orgástica diante de tanto luxo, ele ainda lê em latim. com aquela voz caquética, trêmula e de um rancor que eu não consigo entender. juro, deu medo.

o romance poderia começar com uma sala escura, na surdina da madrugada. trata-se um romance ruim-thriller-e-cliché, meu leitor entediado, eu já avisei de antemão, portanto se esperas um kundera desfiando seus propósitos narrativos, fecha a janela agora, no xizinho. se quiseres dou uma pausa para que te decidas entre continuar na empreitada ou não. ainda não fechaste? então acabou a pausa e eu continuo: no ambiente, silêncio e frio. e a saleta ainda é úmida, pra dar aquele efeito dramático. ao fundo, gemidos e ais que às vezes crescem até tornarem-se gritos de pavor. gritos de torturados. silício e e flagelos se tornam café pequeno perto das técnicas de dor dos algozes a serviço do sumo pontífice. porque o pontífice tem um exército de algozes ao seu dispor, com só um estalar de seus dedos caquéticos. a rede, muda e sigilosa, está infiltrada em todos os cantos dos monumentos catedrásticos. e embaixo das taças de ouro que contém os vinhos sagrados de tão caros. e nas beiradas dos confessionários, ouvindo as mais sórdidas confissões de pecadores arrependidos. e tocando o sino. e enquanto a extrema unção é dada à qualquer moribundo, alguém ouve. sempre há ouvidos atentos. [nota: quem estaria sendo torturado? e por quê diabos, se qualquer par de castiçais valiosos resolve tudo sem ruído? a se pensar, a se pensar.]

voz gélida e estranhamente confiante, então, corta um dos gemidos longínquos:

- e então, bispo frederíco, como andam as coisas no laboratório?

[não sei... talvez essa sentença possa ser dita em latim, naquele mais nobre dos latins. colocar alguma fumaça na cena, pode ser do cigarro de um brutamontes que vigia as entradas com um revólver cromado e silencioso. e há o anel. grande, vistoso, parecendo pesar uma tonelada naquelas mãos maculadas pelo sangue que o velho nem precisou encostar. anel reluzente. anel resplandescente. anel inconfundível. e aquele senhor nada frágil com suas olheiras...]

a resposta vem no tom mais submisso que se possa fazer soar em um diálogo literário. os olhos do bispo - que não são vistos naquela penumbra - miram o chão tão fortemente que poderiam avistar o subsolo com clareza.

- as coisas se encaminham conforme os planos, santíssimo bentinho. logo os laboratórios enviarão a primeira amostra. estará lacrada, mantida em um estabilizador iônico, térmico, feito com o que há de mais caro e moderno no que diz respeito à biotecnologia.

[bentinho: boa! huh.]

o rosto do homem do anel e vestido nas mais nobres fazendas é acrescido de um sorriso. que talvez não arrepiasse tanto, caso estampasse a face de uma criatura um tiquim menos horripilante. sorriso macabro. as olheiras ficam mais evidentes, mesmo no escuro.

- sua devoção será devidamente reconhecida, amigo frederíco - anuncia piedoso bentinho enquanto estende o anel monstruoso para que seu subordinado beije. mas o homem mais poderoso da igreja não tem amigos. assim que tiver a amostra em mãos, sacrificará o bispo que tão cegamente lhe serviu. com a alma um pouco mais quente, tentará ser bondoso e ordenará que a morte seja quase indolor. mas quase, que sem sangue e miúdo espalhado no chão da gruta, o romance fica sem graça.

primeiro capítulo feito. mas e agora, o que seriam as tais amostras? um vírus com potencial destrutivo e proliferativo infinitamente maior que o HIV? [para que essa juventude liberal entenda de vez que agora castidade is the law?]. uma bactéria exposta à diversas radiações que pode penetrar nos miolos dos maus-cristãos, modificando as ondas alfas e fazendo uma lavagem cerebral - a seco - em nome da unificação e fortalecimento da igreja católica? ou, quiçá, um clone de Jesus Cristo? [huh, gostei dessa. funcionaria bem para a conspiração da trama.]

não sei, sei não. o fato é que ver um ícone tão monstruoso tentando aparentar benevolência na transmissão ao vivo da globo atiçou minha imaginação junto da minha porção mais iconoclasta. e agora quero essa parte minha tão pobremente inventiva me dê as minhas respostas. quero saber o que a pompa, o cetim e o latim guardam, escondem. e tocar com minhas fazendas sem luxo essa verdade que eu mesma posso manipular, embora, talvez, ela seja dura feito os pilares que sustentam as capelas. dura feito o olhar desse papa gélido que vêm ao meu pobre paísinho condenar nosso molejo e urrar castidade. e nem beijar o chão beija.


May 12, 2007

porque eles dizem que quem é vivo sempre aparece...



...eu, particularmente, discordo dessa sentença que só enaltece o ressurgimento dos aglomerados de carbono em plena atividade orgânica. e os mortos, e os corpos em decomposição? pois eles costumam aparecer com freqüência considerável. seja nas noites de lua cheia ou no matagal mais próximo à sua casa. e não raro, ela - a freqüência - é até maior que a da reaparição de alguns vivos. exemplifiquemos com esse papa amedrontador que discursa castidade [huh!] pelas ruas paulistas. ou você acredita que esse cara ainda continua vivo? eu não. decididamente não.


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TERESA, TERESINHA.












"o lar é a gente que faz, certo?", diz convicta dona Teresa, 55 anos, viúva, prendas domésticas. uma sentença ingênua como tentativa de omitir ou desconversar todos os projéteis que a vizinhança lança no casebre de madeira que ela quer alugar por duzentos reais. no alto do tão temido morro. o puxado nos fundos de sua casa cujas fechaduras são pitocos de madeira que mal-e-mal barram a portinhola. mas há a mobília, como frisa no anúncio posto nos classificados dominicais. aqueles móveis – bonitinhos até, arrumados com capricho de dona-de-casa e comprados em infinitas prestações – que orgulham ao riso a sua dona.

enquanto isso, além do portão mambembe de madeira e arame - que cheio de pretensões se põe a edificar a segurança quase patética da viúva e isolá-la daquele morro de vísceras e guerrilha banais – dois pré-adolescentes, um negro outro pardo, são punidos por carregarem em suas pochetes pequenas trouxinhas de maconha picoteada, embalada com até certo esmero. as [os?] trouxas eram bem pequenas. especialmente se comparadas com a força dos pontapés e socos lançados pelos homens fortes trajando imponentes uniformes com broches metálicos e brasões reluzentes.

nenhuma batida das redondezas era musical, mas ainda assim todas mantinham seu compasso contínuo, numérico, com força e som crescentes, com ritmos lancinantes. batidas que faziam jorrar o sangue das crianças – porque elas não passavam disso: crianças. o sangue era de verdade, espesso como deve ser. e a lei é da selva, do mais forte. a lei é dos que foram criados em colégios cristãos onde crianças negras são vistas com estranheza. isso quando são vistas. os colégios cheios de santos que a firme e católica teresa jamais pisou.

mas o lar, ahn, o lar é a gente que faz, prossegue Teresinha, carregando no "érrê", forjando surdez aos baques indisfarçáveis das pancadas. ou, quem sabe?, a surdez nem de longe é forjada. talvez ela seja uma conseqüência da crença inabalável de Teresa de que dentro dos limites de sua cerca de arame farpado reina a paz de um lar que ela mesma pode controlar, cada centímetro cúbico sob sua tutela. mesmo que a vizinhança cobice as roupas estendidas no varal e a mobília do carnê. mesmo que no próximo quarteirão se mate e se morra sem nenhuma nota no obituário local.

e Teresa, 55 anos, viúva, prendas domésticas, mantém seus ossos e músculos rijos para a peregrinação por seu lar que é assegurado por muralhas bem mais fortes que muros de concreto ou grades pontiagudas que arranham o céu. é mulher com aço e tutano pra defender o que acredita. e suas crenças não precisam de realidade sublime pra sobreviverem, precisam dessa coisa absurda que brota nos lugares mais pérfidos chamada fé. e a dona-de-casa ainda decidiu que se não alugar a “casa, 1 dormitório, c/ mobília” ainda nessa semana, trocará o texto do anúncio dos classificados por sua máxima: “o lar é a gente que faz.”. e apesar de achar a interjeição “certo?” das mais simpáticas, diz que não a utilizará.


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[Imagem: Tarsila do Amaral - Morro da Favela.]